Estudo revela novo grupo de mamíferos, indicando que África e América estiveram conectadas por mais tempo do que se sabia
África e América do Sul estiveram conectadas por pontes terrestres até cerca de 60 milhões de anos após a separação desses dois continentes na formação do Oceano Atlântico. O achado foi divulgado no artigo "Out of Africa: a new Afrotheria lineage rises from extinct South American mammals", publicado na revista Frontiers Ecology and Evolution.
O estudo é de autoria do professor Leonardo Avilla, chefe do Laboratório de Mastozoologia da UNIRIO, e da pesquisadora de pós-doutorado em Biodiversidade e Biologia Evolutiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Dimila Mothé.
Os cientistas analisaram e compararam fósseis de todos os grupos de mamíferos placentários, reconhecendo um novo grupo de mamíferos ungulados nativos sul-americanos, o Sudamericungulata, cujos hiracoides (integrantes do grupo Afrotheria, de origem africana) eram os parentes mais próximos. A investigação da morfologia de dentes e crânios permitiu a construção da árvore filogenética desses animais, revelando que os Sudamericungulata são mais próximos de mamíferos exclusivos da África do que daqueles provenientes das Américas.
De acordo com Avilla, “o parentesco direto entre mamíferos sul-americanos e africanos sugere a conexão via ponte terrestre entre esses continentes, de 60 a 50 milhões de anos atrás, muito depois da separação na formação do Oceano Atlântico Sul, ocorrida há cerca de 120 milhões de anos”.
A proposta do estudo é uma alternativa à hipótese tradicional segundo a qual fragmentos de continente teriam se soltado da África, formando balsas naturais que flutuaram pelo Oceano Atlântico até chegar à América do Sul, trazendo consigo diversos grupos de mamíferos, incluindo os Sudamericungulata. Para Avilla, essa hipótese é biologicamente improvável, pois “a balsa deveria, necessariamente, conter determinada abundância e quantidade de espécies de cada grupo de mamíferos, possibilitando a variabilidade genética, para garantir a geração e o estabelecimento de descendentes viáveis no novo continente”.
Sudamericungulata
O estudo estabelece o termo “Sudamericungulata” para delimitar o novo grupo de ungulados nativos sul-americanos – animais, até então, sem classificação taxonômica. Esses seres eram herbívoros, de diversas linhagens, e se extinguiram há cerca de 11 mil anos. Nenhuma variedade tinha chifres, mas todos eram dotados de cascos. A última espécie a desaparecer foi o Toxodon, mamífero da Idade do Gelo.
Em suas expedições, no século XIX, Charles Darwin encontrou fósseis desse animal na América do Sul e os enviou para a Inglaterra, onde foram descritos pelo naturalista Richard Owen, responsável pela escolha do nome Toxodon. “Desde então, não se sabia com quem eles eram aparentados”, ressalta Leonardo Avilla.
Há pelo menos 20 anos, o professor e pesquisador da UNIRIO se dedica ao estudo desses animais, tendo feito diversas viagens para visitar coleções de fósseis mundo afora – inclusive na Inglaterra, onde analisou pessoalmente o material coletado por Darwin. A reunião de seus achados aos estudos da pesquisadora Dimila Mothé, voltados para mamíferos africanos, possibilitou concluir que os Sudamericungulata fazem parte do grupo Afrotheria, no qual também se encontram elefantes e peixes-bois, entre outros representantes.
O artigo integra a pesquisa de pós-doutorado de Dimila Mothé, viabilizada pelo programa Bolsa Nota 10, e o projeto "Biogeorio: Biodiversidade e Aspectos Biogeográficos Transatlânticos da América do Sul e África durante o Cenozoico", coordenado por Avilla e contemplado pelo Edital de Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro (2019). Ambos os projetos são desenvolvidos com recursos da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).